CPB:
Nome e idade?
Beto: Meu nome de batismo é José Roberto da Rocha Bernardo e eu tenho 57 anos. O apelido Beto Fininho eu ganhei ainda na infância por ser uma pessoa extremamente magra. Esse apelido acabou se propagando por toda a minha vida, inclusive no meio do samba, se transformando em nome artístico.
Beto: Meu nome de batismo é José Roberto da Rocha Bernardo e eu tenho 57 anos. O apelido Beto Fininho eu ganhei ainda na infância por ser uma pessoa extremamente magra. Esse apelido acabou se propagando por toda a minha vida, inclusive no meio do samba, se transformando em nome artístico.
CPB:
Fale um pouco sobre você!
Beto: Nasci
na Rua Jauaperi, no bairro de Quintino Bocaiúva, no Rio de Janeiro, em 1958. Lá
eu vivi até os 6 anos de idade em uma casa onde moravam a minha família,
composta pela minha mãe (Ismenia), meu pai (José) e uma irmã (Nadia), além da família
da minha tia Jurema (irmã da minha mãe) juntamente com o marido, tio Carlito, e
a minha avó, Dona Izaura, além de 3 primos. Como
o meu pai era bancário, fomos morar no bairro da Praça Seca em 1964, em um
conjunto residencial localizado na Rua Barão e construído pelo antigo Instituto
de Aposentadoria dos Bancários – IAPB. Motivado pela nossa saída, o tio
Carlito, acabou levando a outra metade da família junto com a minha avó para
Oswaldo Cruz, bairro onde havia residido depois de ter chegado da Bahia e antes
de se casar com a minha tia. Em Oswaldo Cruz, a família residiu em 4 diferentes
endereços: primeiro na Rua Frei Bento, próximo à Bica do Inglês, depois na Rua
João Vicente, em seguida na Rua Fernandes Marinho, e hoje, a minha tia ainda
vive, em outro endereço na Rua Frei Bento. Ao
longo da convivência entre as famílias havíamos construído laços afetivos muito
fortes. Além disso, a minha avó exercia grande liderança no grupo. Com isso,
eram comuns, e quase obrigatórias, as reuniões e almoços coletivos em Oswaldo
Cruz nos finais de semana e feriados. Desentendimentos
acabaram provocando a separação dos meus pais. Essa separação associada às
crises que se estabeleceram depois do Golpe Militar de 1964 ampliaram as
dificuldades financeiras na minha casa, principalmente durante a década de 1970,
o que me levou a intensificar a convivência com o lado de Oswaldo Cruz. Assim, eu
passei a ter, definitivamente, dupla residência. Nesse
cenário entrou em cena o meu tio Carlito, que passou a fazer o papel de pai e
foi o grande responsável pela minha imersão no mundo do samba. Apaixonado pelo
samba, e por mim, modéstia à parte, o cara andava comigo a tiracolo por todo
canto onde ia. Foi assim que eu tive a oportunidade de frequentar, meramente
como expectador, as maiores rodas de samba que vi na minha vida, como as rodas
que aconteciam no quintal da casa da Dona Doca e no Botequim da Velha Guarda.
Além disso, a vida em Oswaldo Cruz me possibilitou a convivência, mesmo que sem
intimidade, com figuras como Seu Manacéa, Seu Argemiro, Seu Monarco, Seu Chico
Santana, entre outros moradores e frequentadores assíduos do bairro. Nos casos
de Argemiro e Chico Santana, cheguei mesmo a manter relações bastante próximas.
Me lembro até hoje dos papos regados a limão com o Seu Chico no botequim da
Fernandes Marinho. Na época morávamos ao lado desse botequim, e cá entre nós, o
velho não tinha o menor pudor em oferecer bebida para um menor de idade. Em
compensação, tive o privilégio de ouvi-lo cantar dezenas de sambas diretamente
da fonte. Ainda bem que ele fez isso, como eu gosto de limão! E mais ainda dos
sambas desse cara, por quem desenvolvi uma enorme admiração. Bem,
depois de toda essa iniciação, o envolvimento com o samba se deu de forma
bastante natural. Acabei aprendendo a tocar violão e cavaquinho e me evolvendo
com as rodas de samba. As primeiras composições começaram a acontecer a partir
dos 16 anos. Embora
o meu casamento com o samba seja uma relação cristalizada, confesso que sempre
tive receio de me entregar exclusivamente a ele como meio de vida. Talvez pela
experiência de ter passado as dificuldades que passei e, principalmente, por
conta das tantas histórias que ouvi dos mais velhos em Oswaldo Cruz sobre os
problemas que envolvem viver de música no Brasil. Assim, paralelamente às minhas
atividades no samba, hoje trabalho como professor na Universidade Federal
Fluminense.
CPB:
Como compositor da Escola de Samba de Oswaldo Cruz, como você está vendo este
novo momento?
Beto: Penso
que este é um momento, sobretudo, de recuperação da nossa autoestima. A nova
administração da Portela tem se mostrado muito comprometida com as tradições e,
ao mesmo tempo, preocupada com o futuro da Escola. São várias iniciativas que
precisamos reconhecer. Dentre elas eu destacaria o Projeto Portela de Asas Abertas,
a reorganização da Ala de Compositores com o apoio à formação do grupo musical
dentro da Ala e o fortalecimento da Escola Mirim Filhos da Águia. Esses são alguns
projetos que eu tenho acompanhado de perto e estou muito feliz por ver a
Portela se colocar para a comunidade do samba mostrando a sua estatura. Penso
que só está faltando agora é um título, porque a História da Portela todos
respeitam e até os nossos adversários reconhecem o nosso papel no cenário do
Carnaval. Mas, realmente, como diz o Mestre Monarco: “o portelense quer vitória
para alegrar seu coração”. Não podemos ser ingênuos e achar que isso se
consegue da noite para o dia. Mas estamos amadurecendo. E quando chegar esse
momento, o mundo vai ficar pequeno para tanta felicidade.
CPB:
Fale de sua experiência no mundo do samba.
Beto:
Conforme eu já falei, as rodas de samba de Oswaldo Cruz foram o ponto de
partida. Mas ali eu era mero expectador. Nem me atrevia a entrar com a feras.
As minhas primeiras experiências significativas como compositor se deram na
década de 1970, em blocos carnavalescos da Praça Seca: Tribo do Araruta e Mocidade
de Maricá. A partir desta mesma época, tive oportunidade de tocar em vários
grupos. Um deles fazia bailes de samba e se chamava Meninos de Ouro (década de
1970). Outro grupo de MPB em que eu toquei na década de 1980 foi o Massaranduba
com Manjericão. Esse fazia shows onde eu apresentava algumas composições
minhas, inclusive em teatros. Na década de 1990 eu destacaria o trabalho
desenvolvido no grupo Saudades da Guanabara, onde atuei como organizador,
cantor, músico e compositor desde o início da revitalização da Lapa. Além
disso, na mesma década de 1990, fundamos na Praça Seca, junto com um grupo de
amigos, o Bloco Carnavalesco Beija a Lua e Vem Pra Praça. A
chegada à Ala de Compositores da Portela ocorreu no ano de 1994 a convite do
compositor Chico Carlos que na época estava buscando parceiros. Aquilo para mim
era inimaginável, mas o cara me ouviu cantando uns sambas meus em uma festa de
família e me chamou. Fui apresentado ao saudoso Ary do Cavaco que na época era
um ídolo. Ele me levou para um canto da quadra e me fez cantar quatro sambas
meus. Do Ary me tornei amigo - coisa que não era muito difícil considerando a
generosidade que caracterizava aquele cara - e fui por ele convidado a participar do grupo
musical do Departamento Musical da Portela. Com o grupo, e sempre liderado pelo
Ary, tive oportunidade de fazer várias apresentações e shows. Essa foi a história
da minha admissão na Ala. Para um cara que respirava Portela e amava essa
Escola, aquilo tinha um significado enorme e tenho muito orgulho de pertencer a
esta Ala. Por outro lado, eu nuca tive a sorte, ou a competência, de ser um
campeão de samba de enredo na minha Escola. Certa vez (ano de 2000), a convite
do colega de ala Jorge Poeta, fizemos um samba para a Acadêmicos do Engenho da
Rainha que estava no grupo de acesso. Lá fomos finalistas, mas também não
cheguei a ver o meu samba ser cantado na avenida porque ficamos em segundo
lugar. Mas nem sempre os resultados são negativos. Como
compositor eu tenho, junto com parceiros diversos, vivenciado importantes
experiências. No Bloco Carnavalesco Simpatia é Quase Amor (Ipanema), por
exemplo, tive oportunidade de ser bicampeão nos carnavais de 2003 e 2004, e
também campeão no Bloco Carnavalesco Meu bem Volto Já (Leme). Fui finalista no
Festival de Samba de Quadra da Portela - edição 2005, finalista na segunda
edição do Festival de Samba de Quadra da Light (2010), e finalista no Festival
São Paulo Exposamba - edição 2012. Hoje me considero em um momento de intenso envolvimento
com vários projetos importantes. O primeiro deles é a organização do Movimento do Samba de Resistência do Morro
do Pinto. O projeto faz um trabalho quase pedagógico que visa contribuir
para a compreensão da definição do que é o gênero musical Samba. Considerando a
grande confusão que se estabeleceu nas últimas duas décadas, depois que o
guarda-chuva do samba passou a abarcar uma enorme quantidade de variantes, a
ideia é discutir e trazer para o público um repertório de sambas de autores que
são considerados as grandes referências e que ajudem a esclarecer o público
interessado sobre a estética do samba. As rodas de samba são mensais e
acontecem no Morro do Pinto. O grupo tem sido convidado pelo Departamento
Cultural da Portela e já se apresentou no contexto do Projeto Portela de Asas
Abertas nas edições de dezembro de 2014 e março de 2015. Além disso,
recentemente, venho trabalhando, a convite da Comissão de Gestão da Ala de
Compositores e junto com outros colegas – Luizinho do Cavaco e Marcelo Negrão –,
na organização do Grupo Musical da Ala
de Compositores da Portela. O objetivo é organizar um grupo formado por
compositores para representar a Portela e a Ala em eventos musicais. Outras
experiências que merecem ser citadas são as minhas participações na Escola de Samba Mirim Filhos da Águia,
como diretor de cultura e no Bloco
Carnavalesco Bagunça Meu Coreto (Praça São Salvador), onde atuo desde 2005 como
compositor.
CPB:
Qual (is) o(s) seu(s) ídolo(s) no samba?
Beto: É
muito difícil citar um, mas não por ser “o cara” da Portela, como também pelo
seu trabalho de conscientização junto à comunidade negra de Oswaldo Cruz, por
toda a sua contribuição em relação à organização e à conscientização do povo do
samba, sem dúvida nenhuma o Paulo da Portela. Certa vez eu ouvi da boca de Dona
Neuma, na casa dela: “Paulo foi o homem mais importante do samba. Se não fosse
ele talvez as escolas de samba nem existissem”. Esse reconhecimento já foi
feito, em outros termos, pelo próprio Cartola. Agora, existem outros dentro e
fora da Portela. Uma vez pediram para o Zeca definir o Paulinho das Viola e ele
disse mais ou menos assim: “Paulinho é o cara que todo sambista queria ser”.
Acho que isso sintetiza bem, nem preciso falar. Na casa temos ainda o meu
Grande Mestre Chico Santana, Monarco, Manacéa, Chatim, Mijinha, Aniceto,
Alberto Lonato, Alvaiade, Alcides, Jair, Candeia (o mais completo), Wilson
Moreira, Mauro Duarte, Paulo Cesar Pinheiro, João Nogueira, entre outros. Na
Mangueira temos Cartola, Nelson Cavaquinho, Jorge Zagaia, Padeirinho, Xangô,
Tantinho. Há uma trinca que eu gosto especialmente: Geraldo Pereira, Wilson
Batista e Assis Valente. Tem Mano Décio e Silas de Oliveira, tem Noel Rosa,
Geraldo Babão, Djalma Sabiá. Enfim, eu vou ter que parar de citar senão a lista
não acaba e eu é que acabo cometendo injustiças, se não já cometi.
CPB:
Na elaboração de um samba, como você se define? É letrista, faz a música, ou os
dois?
Beto:
Depende muito se estou construindo sozinho ou se estou junto com algum
parceiro. Tenho feito as duas coisas. Quando encontro uma letra já bem
elaborada atuo como melodista, quando recebo uma primeira construo a segunda, e
quando estou sozinho faço tudo.
CPB:
Desde quando você compõe?
Beto:
Como já havia falado, desde os 16 anos de idade.
CPB:
Você hoje alcançou seu espaço na mídia! O que você, como compositor experiente,
falaria aos jovens compositores?
Beto: Eu
até que me considero experiente, mas ter alcançado espaço na mídia, ainda não é
o meu caso. Talvez por conta de não ter priorizado o samba como meio de vida,
não fui tão pragmático em relação à busca pela visibilidade das minhas obras. A
visibilidade que eu conquistei foi a partir das minhas participações em rodas,
festivais, eventos e organização de grupos. Na verdade o que eu tenho é uma
gaveta cheia de músicas, mas elas só são gravadas, geralmente, quando os
intérpretes me descobrem. Tenho músicas gravadas por Ernesto Pires, Tania
Malheiros e Nina Wirtti, por exemplo, mas todos me descobriram, sem que eu
fizesse movimentos na direção desses artistas. Não sei se estou autorizado a falar aos jovens compositores,
mas penso que é importante que os jovens estejam atentos às referências. Nenhum
historiador ou qualquer outro cientista dá seguimento às suas pesquisas sem ler
as suas referências e tomar conhecimento daquilo que foi construído
anteriormente. Assim deve ser com o samba. Não é possível que as pessoas se
digam compositores de samba sem saber o que é isso. Sem ter uma noção razoável do
que foi construído nesse campo do conhecimento. E uma boa forma de se adquirir
essa bagagem é ouvindo os mestres. No outro dia eu fui apresentado pela minha
amiga Vivi Fernandes a um samba bem antigo do Sidney Miller chamado Argumento.
O samba tem um trecho que me parece explicar isso de forma definitiva. Diz a
letra: “Ouça bem o que eu lhe digo, vá cantar um samba antigo, pra saber o que
há de novo”. É isso que eu deixaria como mensagem.
CPB:
Para você, o que é ser Portela?
Beto: Ser
Portela é antes de tudo, motivo de muito orgulho. Sei que esse orgulho não é só
meu, mas de todos os portelenses, e se constituiu a partir da História da Portela.
Agora, essa mesma História nos coloca sobre os ombros uma enorme carga de responsabilidade,
por tudo o que já foi dito anteriormente, desde o trabalho iniciado por Paulo
Benjamin de Oliveira, nosso grande pioneiro e Professor.
CPB:
Dentro do mundo do Samba você tem algum sonho?
Beto: Ver
a minha Escola na avenida desfilando com um samba meu.
CPB:
Como portelense, o que você espera da PORTELA em 2016?
Beto:
Espero ver a minha Escola brilhando, com um samba digno da sua História e da
sua importância, um desfile impecável, e campeã do Carnaval. De preferência
cumprindo o seu papel pedagógico e dando aula de samba, inspirada pelo grande
Professor Paulo, como sempre fez.
Desde já, o COMPOSITORES DA PORTELA BLOG agradece a sua participação!